Facebook – 19 de março de 2020
Eu nunca tive, em meu convívio na infância, ninguém que ouvisse música erudita, tocasse algum instrumento, lesse regularmente ou que amasse com sinceridade e interesse real as artes plásticas. As aulas na escola tampouco só foram suficientes para conhecer minimamente as cores primárias e secundárias, alguns pintores brasileiros (e talvez os menos talentosos e mais desinteressantes) e fazer desenhos aleatórios sem critério estético algum. Não culpo os professores, alguns pareciam verdadeiramente dedicados e com boa vontade.
Contudo, por pura sorte (e sabe-se lá o porquê) sempre tive um sentimento estranho: o de querer compreender o que faz certas obras de artes se tornarem eternas! Por que ninguém escuta mais “Xibom Bombom” do grupo As Meninas (que ganhou disco de ouro e vendeu mais de 100 mil cópias no Brasil no começo dos anos 2000) e há ainda pessoas que escutam As quatro estações de Vivaldi, composta há praticamente 300 anos? Por que as pessoas se amontoam e pagam caro pra ver quadros de Rembrandt ou Bouguereau? O que faz toda grande personalidade pós-século XIX ter admirado e escutado Mozart? (Aliás, certa vez Elsa Einstein teria confidenciado que teria se apaixonado por seu marido, Albert Einstein, ao vê-lo tocar Mozart no violino de uma forma maravilhosa) Deve haver nestas obras algo superior, algo que talvez hoje não seja tão valorizado por muitas pessoas, que foi escondido de nós, mas que despertou paixões, dores e sentimentos em milhões de pessoas.
Acho que essa dúvida, esse sentimento que sempre tive, fez-me aproximar das artes. Claro que hoje eu compreendo um pouco melhor a importância da beleza para a vida humana, mas não foi uma caminhada simples. Veja, nunca foi tão fácil o acesso às obras de artes e ainda assim, possivelmente, nunca estivemos tão distantes delas. Há 400 anos, alguém que quisesse ver pinturas só o poderia fazer em uma igreja ou, caso fizesse parte da nobreza, tivesse acesso aos castelos onde eram expostas. Há 50 anos, talvez você encontrasse as que quisesse em livros (e talvez não com a qualidade que você desejasse) ou teria que fazer viagens caras para visitá-las. Hoje é possível encontrar praticamente qualquer pintura em altíssima resolução somente jogando no Google Imagens. Quem quisesse ouvir, há 150 anos, suas obras favoritas de Chopin deveria ser ela mesma capaz de tocá-las, ou um parente, ou um conhecido, ou esperar que algum pianista as incluíssem em seu repertório e as tocassem em algum recital, que possivelmente não pagaria barato. Há 50 anos, se você quisesse ouvir todas as sinfonias de Beethoven, você provavelmente teria que peregrinar por diversas cidades/países cujas orquestras tivessem as incluído em seus repertórios ou teria que pagar uma pequena fortuna nas coleções de disco, muitas com qualidade de gravação duvidosa. Para você ter ideia, é bastante conhecida a história de que Johann Sebastian Bach teria andado a pé quase 350 km para ver o famoso organista Dieterich Buxtehude ao vivo. Hoje é possível ouvir tudo de Beethoven, Bach, Buxtehude, Schubert, Liszt ou qualquer outro por streaming, baixando diretamente do celular enquanto vai de ônibus para o trabalho.
E o que nos faz, então, tão distantes das artes? Pelo que eu vejo, primeiro é a falta da percepção do mal que nos faz aquilo que consumimos de “artístico” diariamente: as músicas que reforçam sentimentos ruins, traições, valores deturpados; as pinturas/desenhos que glorificam a feiura etc. Se fôssemos mais conscientes do mal que estes produtos de entretenimento podem nos fazer (alimentando nossas tristezas e frustrações, diminuindo nossa inteligência etc), talvez saberíamos valorizar mais as artes. Em segundo lugar, a distância das artes decorrem simplesmente do desconhecimento e da falta de cultura. Por isso, sempre que posso, divulgo arte aqui. Pode ser que, mesmo sem eu saber ou mesmo sem a pessoa perceber, uma obra artística desperte na pessoa aquela mesma pergunta que eu tive a sorte de ter anos atrás: “o que há de tão profundo e bonito nessa obra, que hoje talvez eu não perceba?”.